O avanço da COVID-19 no Brasil vem sendo vivido e acompanhado com preocupação em decorrência do número crescente de infectados desassistidos e da grave instabilidade política, na qual o país é afundado em meio à crise sanitária e econômica. Sabemos, contudo, que os efeitos da pandemia impactam diferentemente as populações em suas variadas realidades sócio-históricas, atingindo algumas de maneira incisiva.
Historicamente violentados pela propagação de doenças infecciosas importadas, os povos indígenas do Brasil vêm experimentando condições bastante difíceis de combate ao avanço da pandemia da COVID-19 em suas comunidades. Diversas etnias de todas as regiões do país têm se organizado para fornecer respostas efetivas ao avanço da doença e ao Estado burguês e colonial, que também historicamente instrumentaliza surtos patológicos de alto impacto para fazer avançar a agenda política das elites locais, nacionais e internacionais, numa ação dupla de negligência e ataque.
No país, mais de 40 povos já registraram a ocorrência de pessoas infectadas e infelizmente o número de mortos apresenta-se elevado em termos proporcionais e em comparação com países vizinho. Na região Norte, o povo Kokama é um dos que vêm enfrentando maiores dificuldades no combate ao avanço do vírus, chegando a registrar a duplicação no número de infectados em períodos inferiores ao de uma semana. No Nordeste, o povo Fulni-ô apresenta alguns dos números mais preocupantes, com 6,3 casos para cada mil indígenas da etnia.
Os números crescentes de infectados entre diversos indígenas, contudo, não mobilizou até agora o governo federal e órgãos indigenistas para um maior cuidado no tratamento das políticas sanitárias específicas a esses povos. Faltam equipamentos básicos para as equipes dos distritos sanitários indígenas e não há testes em número significativo para os profissionais indígenas e não indígenas da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). “Nossas instituições governamentais indigenistas não têm trabalhado efetivamente pra diminuir esses casos”, conta João Victor, coordenador do MOJIP, o Movimento Jovem Indígena Pankararu, em vídeo da APOINME, a Associação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES (ver vídeo abaixo)
Ademais, as políticas públicas de saúde específicas vêm causando inúmeras controvérsias, a exemplo do Projeto de Lei 1.142/2020, recém aprovado na Câmara dos Deputados, que prevê, dentre outras medidas, a legalização de missões religiosas em territórios ocupados por indígenas em isolamento voluntário.
A pandemia da COVID-19, assim, incide sobre os povos originários num momento em que a administração federal ataca direitos historicamente conquistados pelo movimento indígena. Além da negligência denunciada em diversas partes do país, no momento da pandemia tramitam nos poderes Judiciário e Legislativo projetos de lei e julgamentos que impactam diretamente os direitos das etnias indígenas ao seu território e seu reconhecimento pelo Estado.
Nessa semana, é aguardado com expectativa e mobilização o julgamento pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal da decisão liminar que suspendeu o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). O parecer trata de normas administrativas relativas a Terras Indígenas e estabelece a tese do chamado “marco temporal”, que postula serem passíveis de demarcação apenas as terras que estivessem comprovadamente sob a posse de povos indígenas até a Constituição de 1988.
O parecer da AGU vem sendo utilizado pelo governo federal e pela administração da FUNAI para abandonar comunidades indígenas inseridas em territórios em litígio e para retardar ou até reverter processos de demarcação de terras, mesmo os já em fase de conclusão. O parecer da AGU já foi denunciado pelo Ministério Público Federal como inconstitucional.
Não por acaso, o momento da pandemia também vem sendo instrumentalizado para a aprovação do Projeto de Lei 2.633/2020, o PL da grilagem, defendido pelo governo federal e pela bancada ruralista do Congresso Nacional. Ainda que carente de fundamentos técnicos, o projeto pretende flexibilizar o processo de regularização de terras da união para terceiros, o que vem sendo denunciado como um estímulo à grilagem e ao desmatamento por diversas entidades de reconhecido mérito na área ambiental.
Assim, vê-se que a crise nas políticas de saúde indígena é apenas uma face dos ataques aos direitos ao território tradicional. Uma política indigenista sanitária responsável por parte do Estado passa necessariamente pela garantia dos direitos indígenas ao seus territórios tradicionais, para desse modo assegurar a garantia de acesso a demais direitos primordiais.
Assista ao vídeo da APOINME Brasil:
Após de obter o resultado do segundo caso de contagio pelo novo coronavírus COVID 19, em seu território, lideranças e jovens Pankararu decretam lockdown no território indígena Pankararu, a partir dessa quinta feira dia 28 de maio.
Posted by Apoinme Brasil on Wednesday, May 27, 2020
[…] Para responder ao avanço duplo da corona virose e dos ataques aos direitos indígenas variados povos e entidades parceiras vêm se articulando em torno de associações indígenas e […]
[…] responder ao avanço duplo da corona virose e dos ataques aos direitos indígenas variados povos e entidades parceiras vêm se articulando em torno de associações indígenas e […]